Álbum de família…

ÁLBUM DE FAMÍLIA…

Numa cidade não longe do mar, perto de um majestoso rio de águas cristalinas e da verdejante mata muitas coisas estranhas acontecem. São tantas histórias antigas, envoltas em segredos inconfessáveis. Tantas arapucas armadas pelo destino, tantos desacertos escondidos nas grossas paredes de velhos casarões. Choro de crianças que nunca chegaram a nascer. Riso de mocinhas donzelas que secaram e se transformaram em amargas lembranças.
Sou descendente desses bravos, dessa gente que chegou junto com o descobridor. Meus antepassados exterminaram os índios. Participaram das “Entradas e Bandeiras”, prenderam os selvagens e os transformaram em cativos na terra da liberdade.
Meus ancestrais foram senhores de escravos, donos de engenhos e plantações de arroz. Minhas tataravós espalhavam ouro em pó nos cabelos, esbofeteavam as mucamas servis e espancavam negros fujões no Pelourinho… Umas santas!
Minhas remotas raízes fazem parte desse chão. Os pilares de nossas vidas são profundos e seguros. Estamos entre os primeiros a carregar o andor do santo protetor. Todas as decisões políticas que marcaram o rumo do progresso na comunidade têm um dedo familiar.
Temos dois álbuns de família. Um de capa dourada e um de capa negra. O dourado, mostramos ao mundo e contamos as virtudes dos fotografados. O negro, escondemos a sete chaves e negamos a sua existência. Toda a família que se preza tem suas ovelhas negras, os lobos vestidos de cordeiros, os tarados e os seus loucos.
Ainda a pouco estava espiando o Álbum Negro. Vi a foto de minha tia-avó Dona Maria Emerenciana… Tia Merê foi por muito tempo a vergonha da família. Foi pega com a boca na botija roubando as ofertas pecuniárias feitas ao santo protetor… Vovô Brandino passou anos dando os melhores brindes para as quermesses de outros santos da cidade e pedindo a Deus que esquecesse a ofensa… O dinheiro nunca devolveu!
Tio Hilário roubava placas comemorativas de bronze e as colocava em quadros de madeira pelas paredes da casa… Uma vergonha! Vovó Zenóbia as escondia no porão junto com imagens sacras rapinadas das velhas igrejas, objetos de ouro surrupiados da casa de amigos, anjos barrocos e adornos de túmulos antigos. O fim de tio Hilário foi muito triste. O confundiram com um reles ladrão noturno e levou um tiro no coração… Virou nome de rua e a placa com seu nome nunca foi roubada… Os objetos furtados jamais foram devolvidos!
Ontem tirei mais uma foto… É de meu filho Welson, o menino é muito sortudo! Em apenas uma semana ganhou na rifa um computador, um notebook, uma moto, cinco cartões de crédito em nome de amigos e algumas correntes de ouro… Parabéns ao meu garoto! Vou colar sua foto no Álbum Negro… Nunca se sabe! Amanhã é outro dia e o guri tem a quem puxar.

Gastão Ferreira/2013

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