RAUL…

RAUL…

No primeiro semestre de 1936, Raul completara dezoito anos e merecia um presente especial. Seu padrinho Nhonhô Euzébio, dono de engenho às margens do Rio Ribeira, lá para as bandas de Registro, satisfez o sonho do afilhado trazendo-o para uma Festa do Bom Jesus.
A famosa Festa ocorria anualmente na cidade de Iguape, litoral sul do Estado de São Paulo e era tida como um dos maiores eventos religiosos do sul do país. Pessoas vindas de Santa Catarina, Paraná e de muitos outros Estados passeavam pela cidade, frequentavam bailes, compravam artigos nas barraquinhas de bambus. Os rapazes namoravam. As senhoras rezavam, o povão se divertia e os romeiros pagavam suas promessas ao santo protetor.
Nhonhô Euzébio tinha parentes na cidade, seu irmão possuía uma casa na Rua da Palha onde acolhia amigos e conhecidos durante as poucas visitas à cidade. Naquela época nos hotéis ficavam apenas os turistas endinheirados. A maioria dos visitantes se hospedava em casa de famílias e ali mesmo faziam suas refeições.
Romeiros chegavam de navios, barcas, bateras e a cavalos. Os ribeirinhos vinham da vasta zona rural em canoas. As estradas inexistiam e um trem vindo da cidade de Santos fazia a última parada em Miracatu. Os turistas seguiam de ônibus até Registro e depois pelo Rio Ribeira atingiam Iguape. Um passeio inesquecível para guardar na memória.
Raul era um pacato sitiante, muito tímido, de pouca conversa e trabalhador. Estava tremendamente agradecido ao padrinho, o generoso presente de aniversário. Duas semanas na famosa Iguape, Princesa do Litoral e capital do Vale do Ribeira não era para qualquer um!
Chegaram perto do meio dia. Raul almoçou e logo após a refeição resolveu dar uma volta e conhecer ao vivo e a cores a afamada festa. Vestiu a melhor roupa, calçou as alpargatas, separou algum dinheiro e foi passear. As barracas estavam montadas no Largo do Rosário, um imenso descampado frente à Igreja de Nossa Senhora do Rosário. Raul caminhava extasiado, nunca vira tanta gente na vida! Acanhado, mal levantava os olhos do chão… Pudores de moço criado no mato!
De repente uma gritaria; – “Pega o ladrão! Pega o ladrão!”, haviam assaltado uma barraca que vendia xícaras e tralhas para a cozinha. Raul apavorado começa a correr… A polícia vendo o rapaz fugindo vai a seu encalço… Levam Raul para a delegacia, dão-lhe uns bons tabefes e se dirigem a casa onde o mesmo estava hospedado a fim de recuperarem o produto do roubo.
Nhonhô Euzébio foi categórico; – “Afilhado meu, não rouba!”… Os policiais não deram moleza, invadiram a moradia e vasculharam todas as dependências, nada encontrando. Raul aterrorizado tremia e chorava no fundo do quintal; – “Que vergonha, meu Bonje! Que vergonha!”… Explicou que correra por medo, que nem notara a tal barraca que vendia xícaras. O padrinho tentou consolá-lo dizendo que em cidade grande era assim mesmo, que estava tudo nos conformes, que esquecesse a estripulia e fosse dormir… À noitinha, Raul pegou a batera e foi embora para o sitio e nunca mais voltou à Iguape.
Os tempos eram outros, as pessoas tinham vergonha na cara! Raul jamais esqueceu que foi confundido com um ladrão e que levou alguns safanões das autoridades… Hoje a polícia revista educadamente um menor suspeito de delito e ouve palavrões do meliante durante a vistoria. Os policiais ficam calados e encabulados… O suspeito se comporta como um herói! Realmente os tempos mudaram e mudaram para pior.

Gastão Ferreira/2013

Observação; História real contada por Benedita Saporito ao autor do texto… O padrinho de Raul era tio de Ditinha.

Deixe um comentario

Livro em Destaque

Categorias de Livros

Newsletter

Certifique-se de não perder nada!