Memórias de Iguape – O Circo Mambembe

SUA MAJESTADE… O CIRCO.

Respeitável público!… Senhoras e senhores!… Orgulhosamente convidamos a todos, na noite de hoje, a prestigiarem mais um fenomenal espetáculo do formidável… Grandioso e inesquecível “Grande Circo Teatro Irmãos Silva”.
Os garotos que não conseguiam alguns trocados para a compra de um ingresso espiavam através dos muitos buracos da velha e gasta lona, alguns moleques serelepes tentavam passar despercebidos por debaixo da grande tenda.
Nas arquibancadas de madeira se acomodavam as crianças e, nas cadeiras, na boca do picadeiro, o respeitável público. Independente da situação financeira, todos comiam pipoca e independente de idade ou bens materiais todos se transportavam automaticamente para o fascinante e maravilhoso… Mundo do circo.
O palhaço Tampinha arrancava gargalhadas com sua picardia. As três filhas do dono do circo, as irmãs Neuza, Neiva e Neide, arrebatavam suspiros dos corações juvenis, eram as musas dos adolescentes sonhadores… Como não ser! Viviam naquele mundo fantástico, no mundo do faz de conta. Tão jovens e conheciam tantas cidades! O circo fazia um tour anual, percorrendo todo o Estado de São Paulo… Meu Bonje! Que vida a dessas garotas.
Na plateia, as mocinhas sensíveis, choravam copiosamente nas encenações dos grandes dramalhões… Quem não soluçou com o melodrama “O céu uniu dois corações”? Quem não se comoveu com “Três almas para Deus”? Qual a mãe que não verteu lágrimas furtivas ao assistir “O direito de nascer”? Qual o católico fervoroso que não se extasiou com “A vida de Santa Bernadete”?… Assim funcionava a magia do circo e assim se comportavam as pessoas de Iguape no inicio dos anos sessenta, em meados do século XX.
Eis algo que a juventude atual jamais conhecerá! A pureza, a expectativa, a alegria contagiante de compartilhar a grande mágica do circo. De encantar-se com o malabarista, a trapezista, a contorcionista… De torcer pelo mocinho caricato, cobiçar a donzela melosa, detestar o bandido canalha, olhar cara a cara o pecador, a santa, o tinhoso… Saber de antemão como é o céu e o inferno… Ouvir a voz de Deus entre relâmpagos e trovões produzidos por bater de latas velhas na ribalta.
As crianças ficavam comentando por semanas as peças teatrais; – “Mas Dito, o punhal acertou o bandido bem no coração! Eu vi! Eu estava pertinho… Saiu um monte de sangue…”, “Tudo mentira Toninho! Meu pai contou que não é sangue de verdade, é framboesa… O punhal tem um cabo falso e a lamina entra por dentro dele… É tudo enganação.”, “Sabe Dito! Notei que aquela santa Bernadete tinha a mesma cara daquela pecadora do “Direito de nascer”… Que coisa estranha.”, “É, eu também reparei! Mas isso eu não sei explicar, vou perguntar ao meu pai…”.
Se foi o tempo do circo mambembe, do esfarrapado e singelo circo de lona, da Monga, da Mulher Macaco, da luta livre, dos Mágicos que não enganavam ninguém, das tampinhas que escondiam algo nunca encontrado… Hoje é tempo dos grandes festivais, de peças teatrais com enredo complicado, de cantores que cobram fortunas por uma única apresentação.
Respeitável público!… Senhoras e senhores!… Todos vocês que foram criança e espiaram através dos buracos da velha lona do cirquinho mambembe, que se apresentava anualmente em Iguape como “O grande Circo Teatro Irmãos Silva”… Todos vocês que sabiam de cor que “o palhaço é o que é?”, “É ladrão de muié!”… Vocês que acreditavam que toda a donzela bobinha merecia o marido que conquistou com muitas lágrimas e sofrimento… Vocês que viveram esses dias inesquecíveis! Bem vindos ao Grande Circo da vida! A magia ainda persiste e não acabou.

Gastão Ferreira/2013

  • Pedro Marcio (Escrivão)
    13 de agosto de 2013 - 1:31 am · Responder

    Jamais esquecerei do Circo Irmãos Silva. Fez parte da minha infânica e foi o melhor que ví em minha vida. Ficou um ano em Iguape e quando foi embora, todos ficaram tristes. Integrou-se tanto com o povo, que artistas locais também se apresentavam nos espetáculos sempre lotados.
    Amigo Gastão, obrigado por suas Memórias. Que Saudades…

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