O BISTRÔ

O BISTRÔ…

Estranhos são os caminhos do Senhor! Ele lança as sementes no coração dos homens e cada qual cultiva a planta de sua preferência… O coração é um imenso canteiro. O certo é ficar atento, reservar um espaço, regar com humildade, retirar a erva daninha do preconceito, da vaidade, do egoísmo, do desamor… Ninguém é totalmente mau nem inteiramente bom, eis a razão do espaço do plantio ser tão pequeno. O santo tem o coração iluminado por todas as virtudes, porém o pecador não é tão feio quanto dizem. Em seu coração sempre sobra um cantinho para semear alguma fugidia virtude, era esse o caso de Madame Charlote e Dona Dete.
Charlote nasceu em berço de ouro, mas de uma humildade escandalosa… Escandalosa! Sim, sua gargalhada contagiava, sempre de bem com a vida, honesta, batalhadora, prestativa. Nunca foi tímida! Encarava a vida de frente, dava murro em ponta de faca e corria atrás do prejuízo sem reclamação… Dete era pobre de maré, maré… Seu aprendizado foi na rua. Não era má pessoa, ao perder a mãe ainda na infância, a vida foi sua madrasta e que madrasta! Aprendeu a valorizar cada centavo, vendia beijinhos para turistas quando criança e na juventude vendia outras coisas, mas sempre resevou em seu coração aquele pequeno espaço sagrado onde teimava em germinar a semente do bem… Caiu… Levantou… Sacudiu a poeira e deu a volta por cima… Casou e foi morar ao lado da casa de Charlote.
Cidade festeira, onde muitos eventos reunindo turistas ocorriam anualmente. Era fato inegável que todos os moradores, desde tempos imemoriais, tiravam uma casquinha dos visitantes. Tanto os ricos quanto os pobres alugavam seus quartos, suas cozinhas, suas salas, seus banheiros, seus pátios, suas garagens e até mesmo a calçada frente a suas casas aos visitantes. Vendiam comes e bebes e a disputa por fregueses era feroz. As propagandas enganosas e a busca por clientes causavam muitas desavenças, picuinhas e bate bocas desaforados… Nesses eventos Madame Charlote e Dona Dete viravam inimigas e caprichavam na captura da clientela.
Madame Charlote alugava toalete e Dona Dete banheiro, uma vendia “Petite gatô” a outra casadinho de manjuba. Dete fornecia prato-feito e marmitas, Charlote executive-repast… Enfim uma copiava a outra e aja bate boca… Os vizinhos espiavam por trás das janelas, mas não interferiam. Também eles tinham seus negócios e não podiam perder tempo com briga alheia.
Nesse ano, o bicho pegou feio. Madame Charlote exagerou… Uma semana antes da grande festa mandou entalhar uma placa e nela estava escrito “BISTRÔ” e Dona Dete ficou arrasada; – “ Meu Bonje! Que será que a sirigaita da Carlota está aprontando? Bistrô? Como vou saber o que é esse tal de “bistrô”! Comida? Bebida? Tenho que descobrir e fazer melhor… Os fregueses merecem o melhor e o melhor tem nome;- Dete!”
Quem passou pela rua onde mora nossas personagens estranhou as duas placas… Na de Madame Charlote;- BISTRÔ CHARLOTE si vous plais e na de dona Dete;- BAIUCA DA DETE, comida caseira… O mais estranho é que a comida era a mesma, numa “poule avec petite pois” e na outra “galinha com ervilha”.
Estranhos são os caminhos do Senhor! Ele semeia no coração dos homens e cada qual a seu modo cuida do próprio jardim… Alguns plantam árvores frutíferas, outros, hortaliças e muitos outros plantam amizade e paz… Existem os que não cultivam nem regam as minúsculas sementes e têm aqueles, como Madame Charlote e Dona Dete, que cuidam e vigiam seus canteiros com unhas e dentes, suas pequenas desavenças dão um sabor a vida, passada a breve competição, ambas voltam a antiga amizade e a troca de receitas para a próxima festa… São estranhos os caminhos do Senhor!

Gastão Ferreira/2013

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