A Princesa e os terroristas

A Princesa e os terroristas

Tudo começou silenciosamente; pedintes oriundos dos mais diversos lugares achacavam turistas e moradores indefesos, lajotas de calçamento desapareceram da noite para o dia sem deixarem rastros; túmulos antigos foram saqueados e ninguém sabe dos profanadores.
Tudo começou na maior zoeira; carros com som no volume máximo acordavam na madrugada os sonolentos cidadãos; pré-adolescentes seminuas gritavam histéricas na calada da noite, disputando admiradores. Casais mal resolvidos se estapeavam pelas esquinas; jovens olheiros espiavam as rondas policiais em ruas desertas; drogados assaltavam desavisados e os muitos alcoólatras brigavam entre si desrespeitando a lei do silêncio noturno; milhares de rojões assustavam quem estava posto em sossego; cães ganiam apavorados, gatos se escondiam e pássaros perdiam o rumo na cidade tombada e tomada pelo barulho infernal.
Quando os bandidos detonaram um caixa eletrônico e os restos de um homem-bomba foram encontrados no local do crime, a suspeita de que terroristas islâmicos estavam homiziados na cidade se espalhou… Câmeras de monitoramento foram estrategicamente posicionadas e durante três semanas filmaram a tudo e a todos.
Um carro de som convocou a população; – “Domingo à noite na Praça da Matriz as descobertas da câmera de monitoramento serão reveladas” e assim aconteceu…
– “Olha só! Ditinha Coruja, uma santa criaturinha e filha da irmã Cleyde… Nossa! Andando quase nua na madrugada.”
– “Caramba! Naquele carro preto, com o som de arrebentar, não é o filho do seu Antenor?… É o Junior sim! Três da madruga e ele zoando… Nem carta de motorista possui, eu hein!”
– “Meu Bonje! Quanta gente pulando o muro do antigo prédio do correio… Ajam pedras!”
– “Dito Grilo passando droga nos embalos de sábado à noite atrás da igreja… Quem diria!”
– “Gente! Pai Fulano saiu do armário; demoro!… Chocante!”
– “Bem diz aquele velho ditado; à noite, todos os gatos são pardos…”
Foi assim até o final das filmagens; filhos, netos, primos, tios, amigos e inimigos, comadres e compadres, casos e descasos, vizinhos e colegas, perdidos e achados… Todos conhecidos… Todos expostos no telão da Praça da Matriz… Todos de alma nua e corpos bem vestidos… Os reclamantes pararam de reclamar e a cidade fez de conta que ninguém foi filmado; um bafão para ser esquecido e jamais mencionado.
Melissa Dickson, musa de tantos carnavais e rainha do Boitatá por quinze anos consecutivos e recém convertida, se achando no divino direito de esculachar os não crentes, postou no facebook; – “q as pás do senhor abram as vossas mentes, como é bom ter pás na vida… Amem.”
Thelminha Furacão, a que matou a avó a pauladas, também postou; – “Família é tudo de bom! Como é sublime saber amar… Quem curtir vai direto para o céu.”
Dito Trezoitão, um ex-drogado, ex-gigolô, ex-presidiário e ex- assaltante; – “Nada como ser puro e honesto…”
Marly Oncinha; – “Tenho onse anus, munta esperiencia di vida e procuro a otra metadi da melancia…”
Na Princesa o dia amanheceu ensolarado; quem tem trampo foi trabalhar, quem não tem foi à praia ou a Fonte, crianças continuam a gazear aulas para pular da passarela ou saltar na água bem na frente de quem está pescando. Na orla, depois das vinte horas, continua impossível passear; os meninos do bem tomaram conta e os moradores de rua, mesmo com as padarias fechadas, prosseguem pedindo “um reau” para comprarem pão… Todas as filas em Bancos, lotéricas e supermercados continuam quilométricas, os bebês a nascerem em Pariquera e a Ilha lotada de turistas… Terroristas! Quem precisa de terrorista na Princesa? Não vamos exagerar…

Gastão Ferreira/2015

Deixe um comentario

Livro em Destaque

Categorias de Livros

Newsletter

Certifique-se de não perder nada!