A bala de prata

 

         Até uma criança do pre-primário sabe que um lobisomem só
pode ser abatido por uma bala de prata, é óbvio que também pode ser decapitado,
ou, serrado ao meio por uma moto-serra, mas quem teria coragem suficiente para
chegar tão  perto da besta fera?

 

         O menino Heriberto, não sabia; ele acreditava que todas as
pessoas eram puras, que o mal era uma invenção de gente invejosa, que não
existia alguém capaz de se apossar de um bem público, faturar uma obra do
governo, cobrar propina, e horror dos horrores, ser desonesto.

 

         Pobre e ingênuo Heriberto, pagou muito caro a sua falta de
semancol; numa sexta-feira de lua cheia, sua avó, Dona Frozia, pediu ao neto
que desse um pulinho na bodega de seu Onofre e comprasse duas velas, pois
acabara a querosene do lampião da cozinha, e ela não poderia terminar a janta
sem uma luz para alumiar o ambiente.

 

         Bertinho foi correndo atender o pedido da vovó, pois era um
garoto muito prestativo; na volta para casa estranhou ao ver um imenso cão
negro ganindo de dor, uma esquina antes da casa de vovó Frozia. Nunca tinha
visto um cachorro tão grande, ficou penalizado e chegou mais perto do animal, e
este mostrou ao guri a pata ferida por uma farpa de madeira; parecia pedir que
o moleque a retirasse.

 

         Sem medo, o miúdo retirou a causa da dor, o cão soltou um
grunhido feliz, olhou Heriberto nos olhos e escafedeu-se no mundo; o tempo
passou, Bertinho cresceu…

 

         Quando o lobisomem atacou a linda e graciosa Almira, os
habitantes da vila pediram às autoridades que dessem um basta as investidas da
besta. O senhor Alcaide ordenou ao mancebo Heriberto que encontrasse um meio de
exterminar a fera; o moço Heriberto consultou o senhor vigário e o padre,
sabedor de muitos mistérios, lhe disse que apenas uma bala de prata poderia
abater um lobisomem, aliás possuía duas delas, herança do padre Gregório,
aquele servo do Senhor que numa noite de lua cheia, ao voltar da zona rural,
foi atacado e morto por um lobisomem, mas esta é uma outra história.

 

         Heriberto munido das balas de prata, na primeira lua cheia,
saiu a procura do homem lobo. Com tantos ataques da fera, todas as casas
fechavam suas portas ao anoitecer, e as pessoas trancadas nem sequer espiavam
pelas janelas. 

 

         Berto, de arma em punho, foi golpeado pela besta fera, e o revólver
escapuliu de sua mão; as negras garras do lobisomem apertavam a sua garganta,
seu fim se aproximava, uma morte horrível e maldita, ter a vida roubada por um
ser demoníaco, em pensamento entregou sua alma ao Criador, e pediu ao Bom
Jesus, que se possível o ajudasse nessa hora tão desnaturada…

 

         O lobisomem apertava a goela do moço com uma das garras, e
quando levantou a outra pata para o golpe final, olhou Heriberto nos olhos, e
um raio de reconhecimento brilhou nos negros olhos da besta… Baixou a peluda
pata, afrouxou o aperto da garganta, uivou para a lua, e saiu em disparada…

 

         Heriberto, o ingênuo, descobriu naquele momento que o
lobisomem era o mesmo cão negro de sua infância, aquele imenso cachorro que há
muito tempo estava com uma farpa na pata, e que ele, o menino Bertinho, havia
ajudado, e entendeu o motivo pelo qual a besta fera não o matou, pois até mesmo
um lobisomem pode ser grato por uma favor recebido.

 

         Heriberto contou a sua história, não mencionou a parte da
farpa na patinha, apenas relatou sua súplica ao Bom Jesus, e foi assim que a
lenda urbana atribui mais um milagre ao nosso santo protetor.

 

 

Gastão Ferreira/2020

            

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