Ao redor da fogueira

 

                Jamais
esquecerei meu último acampamento, foi para os lados dos Itatins, a terra
sagrada dos tupis-guaranis, diz a lenda urbana que Tupã e Anhangá ali lutaram
pela posse das águas e matas da Juréia.

 

         Acampar
na Juréia era um sonho antigo, como é uma Reserva Ambiental tivemos que arrumar
uma permissão, um passe de entrada; o Rio Verde é um rio de águas cristalinas e
você enxerga os cardumes de robalos, pescadas, vivócas e outros peixes nadando
sem medo de ser feliz, é proibido pescar no rio.

 

         Lugar
montanhoso tem muitas cachoeiras e lagos… Ah, sim! Mutucas, pernilongos,
mosquito pólvora, antas, cobras venenosas, onças, raposas, e toda a fauna da
Mata Atlântica.

 

         Éramos
seis amigos, todos velhos camaradas, nos conhecíamos desde o pré-escolar. Fomos
pela Barra da Ribeira, atravessamos a montanha do Costão da Barra, contornamos
a primeira cachoeira e armamos as barracas numa belíssima praia totalmente
deserta.

 

         Não
contem para ninguém, mas Pedro Gaivota e Lúcio Manditinga fisgaram alguns
peixes para a janta; juntamos gravetos e muitos ramos secos, armamos uma bela
fogueira… Mario Corruíra era o nosso “El cantador”, o menino fazia miséria
com um violão.

 

         Os
peixes foram assados na folha da bananeira, batata doce era o acompanhamento,
caipirinha sem gelo, e muita história de assombração para por medo nos caros
ouvintes… Joel Batata avistou uma luz se movendo na praia, quem será? Um
extraterrestre a procura de alguém para abduzir? Um caiçara? Um pescador
solitário?

 

         A
figura se aproximou, era um rapaz, falou ser um morador do Rio Das Pedras, um
bairro de Iguape que fica no meio da mata, e junto a Juréia, disse estar
voltando para a casa, e que tinha o hábito de andar à noite, conhecia a região
como a palma de sua mão. 

 

         Oferecemos
a comida e a bebida, aceitou um pedaço de batata doce, continuamos a contar
nossas histórias macabras, em volta da fogueira estavam sete pessoas, e quando
chegou à vez da visita, ela não se negou a narrar um causo:- “Como vocês sabem
a Juréia é habitada há séculos, bem antes do descobrimento do Brasil já havia
humanos perambulando por essas matas; correu muito sangue neste chão, sangue de
índio contra índio, de português contra índios, de negros contra brancos.
Brigas horríveis, carnificinas, até os deuses tomaram partido nas
escaramuças…”

 

        
“É bom ficar atento, fechar bem a barraca na hora de dormir, e não saiam para
fora de maneira alguma, muitas visagens ainda vagam no silêncio da noite. Conta
uma lenda muito antiga que jamais depois do escurecer se devem juntar sete
pessoas, ou três, ou cinco… Números ímpares atraem os demônios da floresta, e
um do grupo sempre é levado para se unir aos seres das trevas, Anhangá ainda é
o senhor deste mundo cruel…” 

 

        
“Então, todo o cuidado é pouco, e eu me sinto culpado, pois não reparei que ao
me juntar a vocês formamos um grupo de sete pessoas, peço licença para me
retirar…”

 

         O
moço levantou-se e saiu em direção ao mar sem se despedir, olhamos uns para os
outros e quando voltamos à atenção para a praia o rapaz tinha sumido;
impossível!Como pode ter desaparecido assim no ar, será que a caipirinha sem
gelo detonou a nossa razão? Resolvemos nos recolher e esquecer o ocorrido.

 

         Devia
ser umas três horas da manhã, Lúcio Manditinga saiu da barraca para urinar… O
seu grito foi apavorante, todos acordaram na hora; um grupo de selvagens
seminus cercava as barracas, Lúcio estava sendo arrastado para longe, ficamos
impotentes perante tantos guerreiros indígenas…

 

         Um
homem forte, muito alto, com um pequeno cocar de plumas na cabeça se aproximou
de nós; – “Não deviam ter capturado os peixes, a Iara, a senhora das águas não
gostou e Anhangá usou a lei dos “sete juntos” para punir a falta de vocês.”

 

         Quando a figura se afastou todos os
guerreiros baixaram a cabeça, e numa só voz disseram; – “Salve o Curupira, o
protetor de nossa caça, de nossa pesca, de nossas matas, salve!”

 

         Nunca
mais tivemos notícia de nosso amigo de infância, Lúcio Manditinga desapareceu
para sempre; os guardas florestais acharam uma carcaça humana na mata, pensam
que um viajante solitário foi atacado por uma onça, mandaram fazer um teste de
DNA, estamos torcendo que não seja o Manditinga, no local foi achado os restos
de uma fogueira, e no passado os indígenas que habitavam a região eram todos
canibais… Nunca mais acampei na vida.

 

Gastão Ferreira/2020

 

 

 

 

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