O casamento do lobisomem

 

 

         Meu
tio e padrinho Anselmo Garnisé noivou com Maria Benedita Alves Ribeiro também
minha dinda e que pesava 135 quilos, conhecida na cidade como Maria Fininha. A
noiva sabia que o futuro marido era um lobisomem, e ansiosa aguardava à hora em
que ele lhe revelaria o seu segredo tão bem escondido.

 

         Ah,
o amor! Maria Fininha com seus 135 quilos caminhava dez quilômetros todos os
dias, dentro da mata virgem, só para dizer um oi ao seu amado; nos seis meses
de noivado estava com exatos 55 quilos, e todos voltaram a chamá-la de Dita
Sílfide.

 

         O
casamento foi só no Civil, lobisomem não entra em igreja, e tem pavor de água
benta; tio Anselmo alegou que era budista, e que mais tarde casaria em um
templo na capital do Estado. Maria Benedita fez de conta que acreditou, e a
festança foi maravilhosa; muita carne de caça, refrigerantes naturais, cachaça
de alambique, cataia, caipirinha, cervejas.

 

         Dita
Sílfide estava no céu; que homem o lobisomem! Uma fera em todos os sentidos.
Quando tio Anselmo perguntou se ela não se importava de passarem parte do mês
na cabana da floresta, ela concordou de imediato; quanto mais longe das
lambisgoias da cidade, melhor.

 

         A
vida por vezes é estranha, a gente pensa que sabe das coisas, e que nada! Eu
nos meus treze anos bem vividos achava que conhecia muito bem o meu pai e a
minha mãe; na verdade nunca desconfiei das saidinhas noturnas de papai, e juro
que não tinha reparado que ele sempre desaparecia na lua cheia.

 

         Os
recém casados resolveram realizar um estranho ritual nupcial, desta vez em
plena mata virgem, algo ligado aos seres que protegem a floresta. Uma cerimônia
aos deuses ancestrais, aos elementais, uma sagração de Maria Benedita à Tupã.

 

         O
ritual seria realizado exatamente a meia-noite, e chegamos às vinte horas; eu,
papai e mamãe… Da família de madrinha Fininha, aliás, ex-fininha, ninguém
presente; alguns amigos e amigas de tio Anselmo e de papai, nenhuma criança.

 

         Seu
Pedro Parente era o violeiro caiçara; os convidados caíram na folia, e dançaram
a catira, o sapateado… Quinze para a meia-noite todos saíram em direção a uma
fonte de água cristalina; as mulheres presentes começaram a se despir, os
homens só de sungas, tio Anselmo falou; -“Meu afilhado Zequinha Guaiamu fica
aqui entre eu e a sua madrinha, e não tenha medo.”

 

         A
trilha na mata era encoberta pelas copas das altas árvores, a fonte estava situada
numa clareira, quando saímos à céu aberto aquela imensa lua cheia clareava a
negra noite; olhei para o alto, o suor cobria o meu rosto, todo o meu corpo
transpirava, assustado procurei por meu pai e ele estava se transformando em um
grande e peludo cão negro…

 

         A
metamorfose era geral, tanto os homens quanto as mulheres estavam em
transformação, e nesse momento eu compreendia tudo; eu era sobrinho de
lobisomem, filho de um lobisomem, provavelmente neto de uma besta fera… Eu
também era um lobisomem!

 

         Olhei
para madrinha Maria Benedita, ela era uma negra loba de olhos brilhantes
uivando para a lua cheia, tio Anselmo também era um lobo, e ambos se
aproximaram da fonte da mata, mamãe Dirce Gambá recolheu em uma cabaça um pouco
da límpida água e derramou sobre a cabeça do casal, murmurando algum
encantamento, me chamou e realizou o mesmo ritual em minha cabeça; mamãe era
uma feiticeira, uma maga, uma curandeira dos povos da floresta…

 

         A
matilha saiu em disparada pela mata, corremos e caçamos até o raiar do dia;
dormimos todos sob as árvores que rodeiam a cabana. Ao acordar ninguém comentou
nada do que acontecera na noite anterior; era esse o segredo dos muitos
lobisomens da região… Olhei para madrinha Maria Benedita, ela estava feliz,
realizada, e eu sabia que era muito amado por todos os que ali estavam.

 

         Na
volta para casa paramos junto a um imenso Jacarandá, papai comentou; – “Foi
aqui, bem neste lugar, que eu e seu tio fomos atacados por um lobisomem, e sua
mãe nos salvou… Nós éramos muito jovens e estávamos armando uma armadilha
noturna para pacas quando ocorreu o ataque…”

 

         Mamãe
falou; -“Lembro como se fosse hoje…”

 

         Mas,
essa é outra história.

 

 

Gastão Ferreira/2020 

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