O gato Francês

 

         Estava
vovó Filomena numa conversa muito séria com a netinha Eldora Maria; -“Dora,
minha querida, como você teve a coragem de tomar um chá receitado por uma índia
velha?”

 

         -“Jandira
foi namorada de um pajé na juventude, vovó…”

 

         -“E
o que tem isso à ver com o remédio? Sua tia avó Engracia, quando era mocinha,
se envolveu com um padre sacana e teve um filho com ele, e nem por isso ficava
ensinando as beatas a rezarem missa…”

 

         -“Tia
Engracia, aquela que não podia ver um gato sem teto que já corria a arrumar um
lar para o bichano?”

 

        
“Esta mesma, minha irmã Gracinha Fuzarca…”

 

        
“Que apelido estranho, vovó! Por que Fuzarca, ela devia gostar de uma festa…”

 

        
“Até que não! Tirando a parte sórdida do romance com o jovem padre, ela era uma
moça tímida, prestativa, de poucas palavras, uma sonsa, meio abobadinha, hoje
diríamos uma semi-analfabeta funcional…”

 

        
“Se era tão apagadinha, o porquê do apelido fuzarca?”

 

        
“Depois do caso com o padre, tadinha! Ficou tão mal afamada… As amigas se
afastaram, perdeu o emprego na loja de madame Eufrozina Andrade de Medeiros
Albuquerque, e começou a cuidar de animais sem teto, sem dono, gatos
abandonados, pois também ela foi abandonada pelo amante…”

 

        
“Que tragédia, hem vovó!”

 

        
“Gracinha se apegou a um filhote de gato e lhe deu o nome de Francês… Francês
era o seu xodó; dormia aos seus pés, seguia Engracia pela casa, muito educado,
quase nem miava…”

 

        
“Para de me enrolar, vovó! Conta logo o porquê de Fuzarca…”

 

         -“Benedita
Esmeralda, a famosa Dita Jóia, era a melhor amiga de Gracinha, e minha irmã
pediu à amiga que levasse o gato Francês para castrar… Dita Jóia fez o favor
solicitado e o gato Francês nunca mais voltou para casa…”

 

        
“Meu Bom Jesus! Esmeralda roubou o gato da amiga?”

 

        
“Não, não! De jeito nenhum…”

 

        
“Então foi o veterinário que desapareceu com o Francês?”

 

        
“Ninguém sabe, a coisa foi feia; Engracia quase matou Dita Jóia de pancada, o
veterinário doutor Athayde Pantera foi embora da cidade, pois cada vez que
cruzava o caminho de Engracia era uma briga na certa, e foi devido a essas
tantas escaramuças que Engracia passou a ser conhecida como Gracinha
Fuzarca…”

 

        
“Ah, entendi! Fuzarca também pode significar bagunça, briga ou muvuca…”

 

        
“Então, Eldora Maria, essa foi a história do gato Francês, esse fuzuê marcou
época na cidade…”

 

        
“Que bobagem! Uma história banal…”

 

        
“Sim, banal… Esqueci de te contar que o padre safado era um francês, ainda
bem que mana Gracinha Fuzarca escapou por pouco de virar mula sem cabeça, mas
essa é uma outra história…”

 

 

Gastão Ferreira/2020

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