O guardamento

 

         O
primeiro guardamento a gente nunca esquece, aliás ninguém esquece a primeira
namorada, a primeira briga na escola, o primeiro dinheiro emprestado e que
jamais foi devolvido, o primeiro tapa na cara, o primeiro beijo e outras
milhares de primeiras experiências de vida; quando tia Zilú faleceu, o velório
foi na casa dela, e eu acabara de completar sete anos.

         Tia
Zilú morreu nova, 18 anos, bem mocinha e se morreu de tristeza; foi abandonada
pelo noivo, quinze dias antes do casamento. Libório, o esposo prometido, a
trocou pela Mulher Macaco, a terrível Monca que todo o ano aterrorizava adultos
e crianças na Festa do Senhor Bom Jesus.

         Ainda
lembro de Libório; um dia, ele me pagou uma grapetti num bar; ele e alguns
amigos estavam jogando sinuca. Parece que o moço Libório tinha a ficha suja,
pois um dos rapazes comentou algo sobre a Mulher Vampiro que se apresentou num
circo da cidade, e rindo completou; – “Depois que Libório cravou a estaca nela,
a vampira pirou…”, “Oh! Olha o meu futuro sobrinho aí, gente.”, disse o
Libório.

         Então,
faltando quinze dias para o casório, e Libório foge da cidade com a terrível
Monca. Naquele ano nem fomos à festa de Cananéia, tia Zilú só chorava e aos
gritos se perguntava; – “Como, meu Bonje? Como? Como ele pode me trocar por um
monstro? Uma moça linda e que se transformava num macaco, e eu acreditando que
ele me amava! O meu Bonje! Como sofro.” E assim começou a definhar; vovó
Esmeralda preparava tainha na folha da bananeira, casadinho de manjuba, separadinho
de manjuba, moqueca de manjuba, manjuba na brasa, manjuba frita, manjuba no
espeto, e nada! Tia Zilú desaparecia a olhos vistos, e todos aguardavam a
próxima Festa do Senhor Bom Jesus para tirar satisfação com a Monca.

         Tia
Zilú estava parecendo um esqueleto, puro osso, até recebeu um convite para ser
modelo de uma famosa costureira da cidade. A família não deixou a guria
trabalhar, ela já não falava coisa com coisa. Chegou a festa e vovô e vovó,
cinco tios, e dez primos foram conferir a apresentação da Monca; ela jamais
escaparia da vingança de nossa família.

         Que
decepção! Monca, a Mulher Macaco não compareceu, e em seu lugar o Circo
contratara uma novata, e que estava fazendo o maior sucesso; Monga, a Mulher
Gorila. O tio Isidoro ficou de olho na Monga, mas vovó proibiu o rapaz de
chegar perto da Mulher Gorila; – “Basta de arrumar encrenca com gente de circo!
Já viu alguém metido à artista prestar?”, três dias depois tia Zilú finou-se.

         O
caixão foi feito pelo seu Zé Carpinteiro, foi enterrada vestida de noiva, as
amigas de infância, do colégio, do terço, das matines dançantes, dos passeios
na Fonte do Senhor, dos banhos de mar, das serestas e saraus, compareceram e
algumas até arrumaram namorados.

         Tia
Zilú morreu tão novinha, sua história foi breve, não teve tempo de aprontar na
vida. As piadinhas foram todas tão inocentes, que nem irmã Agatha e irmã Aurea,
duas freiras, convidadas para rezarem pela mortinha, não
achavam graça nenhuma, e desembestaram à contar as mais sacanas e cabeludas
piadas, foi quando retiraram as crianças do recinto, ainda bem que eu estava
embaixo da mesa onde colocaram o caixão, e ninguém me viu. As amigas fizeram
algumas brincadeiras, aliás brincadeiras de péssimo gosto! Onde se viu fazer
adivinhações num guardamento. Vovó Esmeralda, jamais esqueceu; – “O que quê a
Zilú mais detestava?”, perguntou sua melhor amiga e confidente.

        
“Manjuba!”, gritaram todos ao mesmo tempo.

 

 

Gastão Ferreira/2019

          

 

 

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