Ziza e o lobisomem

 

         Tucum
é um bairro rural do município de Iguape, famoso por suas mutucas, lavouras de
arroz, bandos de gaviões, e as gordas traíras do Rio Pequeno. Após as Terras de
Santa Bárbara e suas piscinas, quase no encontro do Rio Pequeno com o Rio de
Una numa tapera de pau a pique sobrevive Dona Ziza, uma benzedeira das antigas,
conhecedora de muitas mandingas e garrafadas.

 

         Ziza
na juventude foi de uma beleza ímpar, só não casou jovem porque ficou mal
afamada; segundo a afiada língua do povo, a menina moça teve um enrosco, um
caso, um namorico com um lobisomem… Na verdade ela não teve nenhuma culpa
pela paixonite da besta-fera, foi o lobisomem quem caiu de amores pela donzela,
e azarou a vida da mocinha sonhadora para sempre.

 

         Tudo
começou quando a garota Ziza Mutuca, filha de Dita Mutuca e neta de Maria
Mutuca encontrou com Mané Micuim na margem do Rio Pequeno; o rapaz presenteou a
rapariga com três bagres que acabara de pescar. Na zona rural quando um moço
oferece um presente para uma moça é sinal de interesse, pode ser qualquer
coisa; uma fruta, uma caça, um peixe, um passarinho, coisas de sitiantes e de
gente pobre que não pode presentear a paquera com um perfume francês, um colar
de diamantes, um fim de semana em Cananéia.

 

         Mal
o rapaz ofereceu o seu peixe, um lobisomem o atacou, Mané Micuim pulou na água
e se salvou, pois todo mundo sabe que lobisomem tem medo de água… Ziza ficou
a mercê da besta, o bicho ficou rodeando a donzela, fungou no seu cangote,
lambeu as suas pernas, derrubou a moça no chão… Ganiu baixinho, uivou e se
escafedeu na mata, pois o pai de Ziza Mutuca estava chegando ao pedaço.

 

         O
safado do Mané Micuim, que não se preocupou em defender a donzela, contou na
aldeia a história do lobisomem tarado, e a fama da garota foi para o brejo; marmita
de besta fera, queridinha do lobo, chapeuzinho vermelho foram alguns dos
apelidos bobinhos que só sitiantes acham lindos de colocar em uma formosa
menina do mato.

 

         A
vida de Ziza virou um inferno, todos os rapazes que se mostravam interessados
em algo mais com a moça eram atacados pelo lobisomem, e assim ninguém queria
namorar a donzela. O lobisomem só aparecia durante a lua cheia; rondava a casa
de Ziza, arranhava a porta da habitação, uivava, gania, rolava na terra,
choramingava até que a moça aparecesse na janela, só então partia feliz…

 

         O
amor é algo misterioso, imponderável, incompreensível; quando a bela Ziza
Mutuca aceitou se casar com Zé do Mato, um coitado que morava num casebre à
beira-rio, sem um porco para chamar de seu, um ladrão de palmito, um mateiro
que vivia da caça de animais silvestres, ninguém percebeu que o pobre Zé do
Mato era na verdade o lobisomem apaixonado, mas Ziza sabia e era o que
importava.

 

         O
tórrido romance durou quinze anos; Zé era um bicho safado em todos os sentidos,
quando morreu vitima de uma bala de prata, Ziza e o seu filho Heitor
permaneceram na tapera. Por esta época as garrafadas e benzimentos de Mãe Ziza
já corriam o mundo, e muita gente a procurava em busca de suas ervas
medicinais.

 

         Heitor
completou o ensino básico, gostava de ler, exímio violeiro, cantador do vale,
fazia entalhes em madeira, um artista nato, amigo dos amigos, apenas a sua mãe
sabia do seu segredo; Heitor herdara a sina da besta-fera… Estamos entrando
em outra história, Heitor deixou a sua marca no Tucum, e seu nome ainda é lembrado
ao redor das fogueiras pelos pescadores em noites enluaradas, um dos causos
inesquecível é o do padre e o lobisomem, mas como já disse, é outra história.

 

 

Gastão Ferreira/2020  

          

        

        

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