Vovó da Mata

Acredito que as ”lendas urbanas” surgem a partir de um fato real; é aquela velha história de quem conta um conto aumenta um ponto… Assim, com o passar do tempo uma simples e humilde ocorrência ganha contornos atuais, e que o novo evento nada tem a ver com a origem da narrativa.

Foi assim que “Vovó da Mata” passou de um ingênuo relato de uma ocorrência banal acontecida num dia distante nos confins da Juréia para a história, e virou uma lenda urbana.

Nhá Isabel nem chegou perto, mas ficou espiando de longe a muvuca do encontro da imagem do Bom Jesus em outubro de 1647 na Praia de Una, local próximo a sua cabana. Sua avó nhá Eustáquia avisou; -“Essa santa estátua será a salvação para a vila de Iguape; o santo fará muitos milagres, e enricará muitos espertalhões…”

Não deu outra! O Bom Jesus fez o maior sucesso, e até a atualidade atrai milhares de romeiros ao seu magnífico santuário, sempre no dia 6 de agosto… Nhá Eustáquia acertou em cheio na sua previsão.

Nhá Eustáquia era descendente de índio tupis-guaranis e europeus, ela foi uma caiçara, aliás, talvez a primeira pessoa tida como uma legítima caiçara; hoje seria uma éco-chata, uma vegana… Já naquela época distante era uma defensora do meio ambiente, da alimentação orgânica, era contra o consumo de carne vermelha; quando encontrou o seu inocente bisneto Dudú Pelado assando vivo um saboroso bugio na brasa, quase matou o guri de pancadas.

Vovó Táquia foi uma curandeira, uma aparadeira, rezadeira, costureira e outras eiras; receitava ervas medicinais, remédios caseiros, conselhos e tapas na cara… Uma dama, a vovó Eustáquia!

Um belo dia resolveu morar sozinha na mata; havia passado dos 90 anos, e a família concordou de imediato; – Uma boca a menos para alimentar…

Ela fez sua trouxinha e entrou na escura floresta; os filhos, filhas, netos e bisnetos caíram na real; – Que fizemos com vovó Táquia? Ela cuidou a vida inteira de todos nós! E foram à procura da anciã…

A Juréia é imensa, mata cerrada, rios, cachoeiras, altas montanhas, morada de onça parda, onça pintada, onça negra… Vovó Eustáquia simplesmente desapareceu sem deixar rastro; seu filho mais velho, o Vicente, foi o único a não demonstrar preocupação: -“Mamãe Táquia foi morar com papai Curupira…”

– Está doido, tio? Onde se viu falar assim da sua santa mãe!

– Mamãe era da pá virada, novinha se apaixonou por um encantado da floresta, ele foi o meu pai; então, sei muito bem do que estou falando…

Alguns anos se passaram e um diz-que-diz começou; uma velha desgrenhada, desdentada, segurando um cajado de madeira foi vista na mata. Ela costumava aparecer para caçadores e ladrões de palmitos, e coitado do infrator.

Pela descrição era nhá Eustáquia, nossa vovó Táquia, ela passou a ser conhecida como “vovó da mata”; até a atualidade nos chegam relatos de que ela cruzou o caminho de alguém, e que esse alguém sofreu a conseqüência de seu mal feito… Você que joga lixo na orla da mata, gosta de passarinhar, roubar mudas de plantas e palmito, fique esperto!

Gastão Ferreira/2021

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