Reunião de Sacis

Quem diz que Sacis não gostam de praia? Surfar numa perna só, pular as sete ondas, criar redemoinhos à beira-mar? O menino Miguel sabe a resposta; o guri mora perto das dunas na cidade de Imbé, RS, atentado e sem medo foi correr na praia depois das vinte horas…

De longe avistou uma fogueira e alguns vultos ao seu redor; – “Acho que é um luau! Oba vou espiar mais de perto.”

Moleque é cria do capeta, pois não é que o piá foi se arrastando pela areia para não ser visto pelos participantes da reunião! Parou a uns cinco metros e prestou atenção na conversa…

– “Temos que tomar uma decisão, o bicho está pegando e Tupã não liga a mínima para a situação…”

– “Realmente, pai Tupã parece que nos abandonou, aliás, não só ele, pois faz muito tempo que não cruzo com um Curupira, e nem mesmo com algum servo de Anhangá…”

– “Eu próprio sou a prova desse descaso com a nossa gente; na semana passada quase apanhei de um pivete…”

– “Oxente! O que aconteceu?”

– “Cheguei chegando dentro de um redemoinho, e saltei bem na frente de um guri de uns doze anos…”

– “Uhmmm, pré-adolescente! São os piores, e daí?”

– “O pestinha jogou um balde de água fria nas minhas fuças e caiu na gargalhada, chamou os coleguinhas e tentaram me bater… Com uma perna só, é difícil correr…”

– “Por Tupã! E como acabou a confusão?”

– “Improvisei um redemoinho, apavorado consegui formar apenas um pequeno, mas foi o que me salvou…”

– “Já passou da hora de enfrentar esses descrentes, ninguém mais acredita em assombração, mula-sem-cabeça, vampiros, lobisomem, Negrinho do Pastoreio, Boitatá…”

– “Calma muita calma! Assim você passa a impressão de que as crianças de hoje em dia não acreditam em mais nada!”

– “Mas é a pura verdade, com um celular na mão e muitas pesquisas na Internet tudo que antigamente os meninos tinham crença virou piada, nem mesmo em alma do outro mundo eles acreditam…”

– “Penso que o cerne do problema está nos pais e avós…”

– “Como assim? O que têm os adultos com isso?”

– “Os pais não contam mais histórias de assombração para os filhos, dizem que é politicamente incorreto…”

– “Vai ser difícil reverter essa situação…”

– “Que tal tentar contato com os professores, eles são os únicos que podem nos ajudar à passar as lendas, os contos, os causos e histórias fantásticas de Pindorama, digo, do Brasil para todas as crianças…”

– “Não acredito, provavelmente os pais irão denunciar os professores alegando que estão mentindo para seus amados pimpolhos…”

– “Então a única solução será aparecer para a molecada, assim eles contarão aos outros o que viram e talvez as pessoas passem a acreditar novamente nos encantados das florestas, nos filhos de Tupã, nas Iaras dos rios e lagoas, nas Sereias que habitam as profundezas do mar…”

– “Por falar nisso, estou sentindo cheiro de um pivete aqui por perto, vamos dar um susto no espertinho?”

Nesse momento Miguel voltou se arrastando para as dunas, conseguiu escapar sem ser notado e ao chegar a casa foi pesquisar sobre lendas urbanas, mitologia tupi-guarani, e para amanhã já tem o tema da redação semanal, vai relatar tintim por tintim a reunião de sacis que presenciou… Só espera que a professora acredite, goste e lhe dê nota 10.

Gastão Ferreira/Imbé-2022

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