A MALA…

               
          Meu nome é Tânia…
 Desde pequena tenho dores na cabeça…
 Enxaqueca! Disse o doutor.
Também
ouço vozes, às vezes dentro, às vezes fora de mim…
 Quando criança elas cantavam para eu dormir…
Contavam
histórias de tempos em que não vivi.
Igual
filme colorido havia de tudo, romance, comédia, drama, tragédia…

fui donzela recatada, pirata, feiticeira, bandida, mal amada, fui filha de rei…
Hoje
moro numa cidade a beira mar…
Quando
eu durmo, as vozes me levam para longe e desperto em lugares distantes,
distantes do meu lar…
         Ontem elas chegaram sorrateiras…
Exaltei-me!
Meu marido me bateu, sangrou…
Meu
filho Junior, de três meses, chorou…
Fui
até seu berço, ele não se calou…
Lembro-me
de meu esposo com uma faca na mão…
Depois
as vozes cantaram…
 Cantaram cantigas de ninar e o sono chegou.
Acordei
ainda agora nessa praia deserta…
 Com essa mala ao meu lado…
 Com a mala que ganhei do Pastor…
Teve
uma época…
 Tempo de mocinha em que frequentei um culto…
 Minha mãe me levou…
Foi
lá que o Pastor amarrou o Diabo, o Demônio que teimava em me atazanar.
Quando
mamãe morreu assassinada, eu tive medo…
Tinha
certeza que foi meu Capeta quem a matou…
“Ele
continua amarrado!”, disse o Pastor…
“Quem
a trucidou foi um bandido qualquer e que fugiu sem nada levar”…
Ganhei
uma Bíblia e uma mala…
A
Bíblia não li e a mala sempre serve para guardar as coisas que aparecem depois
dos longos sonos…
Um
revólver, algumas facas, um colar, coisas que não sei explicar.
         Eu não sou louca!…
Tenho
dores na cabeça, vejo vultos, ouço vozes e conto histórias…
Não
as minhas memórias e sim a das pessoas que finjo que conheci…
Da
moça que matou o noivo por ciúmes…
Da
mulher traída que encontrou o marido com outra na sua própria cama e os
sufocou…
 Depois jogou gasolina e incendiou a casa…
Todos
pensaram que foi a traída e seu consorte que pereceram…
Minhas
lembranças vêm e vão!
Tem
muita coisa escondida nessa minha cabeça dolorida que temo recordar.
         Hora de voltar para a casa!…
Hoje
conheci um pescador…
 Parece ser boa pessoa, me deu seu endereço, me
paquerou…
Quer-me
de mãos vazias, cheia de amor!
Esta
mala? Desconheço! Não é minha…
Nem
sei como adivinho que dentro tem um revólver, algumas facas, um colar…
 A cabeça de um nenê de três meses chamado
Junior que não parava de chorar…
O
pai do bebê foi morto e enterrado no quintal…
A
mãe enlouquecida cortou a cabeça da criança e ela parou de berrar.
         Meu nome agora é Suzana! Acabei de chegar…
Estava
escuro de onde vim…
Ouço
vozes, elas torcem por mim…
Dizem
que serei feliz…
 Que um pescador me ama…
 Me espera e me quer sim!…
Esta
mala não era de Tânia…
Nem
ganhou de um pastor, ela mentiu!
A
mala foi dada a Beth, a garota que matou a mãe a pauladas…
Como
sei?
As
vozes me contaram…
Elas
apagam da memória quem por um breve momento sonha que existiu…
Gastão Ferreira/2013
           

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