Na margem do Rio Ribeira
(Máximo Takahira)
Quando o barco-vida de Máximo Takahira ancorou no
bairro do Bocuí às margens do Rio Ribeira de Iguape há 89 anos, o mundo era
diferente; Seu pai Seji Takahira (Lúcio) chegou do Japão direto para a famosa Colônia
Katsura no Jipovura no ano de 1919… Seu Máximo teve quatro irmãos, ele é um
dos últimos sobreviventes daquela fase áurea de nosso município.
Os
imigrantes japoneses trouxeram consigo a rigidez dos costumes orientais, as
crianças nascidas na colônia eram bem diferentes dos meninos caiçaras, eles
quase não brincavam; aos sete anos já trabalhavam. O pequeno Máximo nunca
esqueceu o nome da professorinha que o alfabetizou do 1° ao 3° ano do primário,
Dona Alda de Mello Chaves, que foi contratada na cidade de São Paulo para
lecionar na Colônia Katsura, depois no 4° ano sua professora foi Dona Augusta
Jararaca e Dona conceição, moradoras de Iguape.
O
guri (otokonoko em japonês) acordava às quatro da madrugada para fazer a lição
de casa e rever os apontamentos da aula do dia anterior, às seis horas tomava
café e depois atravessava de canoa o Rio Ribeira, e seguindo a pé o menino
andava sete quilômetros até a escola que contava com cento e cinquenta
estudantes; ao meio dia voltava para sua casa, e após almoçar já seguia para a
olaria de seu pai, onde ajudava a fazer telhas até as 18 horas.
Máximo
sempre gostou de jogar futebol, foi até bastante famoso no esporte; estudava
pela manhã e trabalhava o restante do dia, menos no domingo à tarde que era a
única folga da semana… Seji Takahira era também carpinteiro, e Máximo
aprendeu o ofício, jamais usou pregos em suas obras, todo o madeiramento era
encaixado, como se fazia no Japão…
As
lembranças de moleque de Máximo Takahira nos mostram uma Iguape completamente
diferente da que conhecemos; existia uma trilha no meio da mata que ligava
Iguape a Pariquéra, e antes de 1952 só os cavalos passavam por ela, todo o
transporte dentro da cidade era feito através de carroças, mas no ano de 1952,
Zé Cardoso já possuía um carro de praça (taxi) que fazia as corridas de
emergência para o hospital de Registro… Máximo se lembra de muitas coisas na
cidade, pois ajudava o pai a remar o barco da família no transporte das telhas
da olaria para a entrega dos pedidos em Iguape…
O
principal meio de transporte para fora da cidade era aquático; devo lembrar que
antes de 1952, não havia a BR-116, nem a rodovia Casemiro Teixeira, nem a
estrada de Pariquéra, por esse tempo existiam dois vapores de passageiros
(Bento Martins, e Vicente de Carvalho) que saiam de Iguape por volta das oito
da manhã e chegavam a Registro às quinze horas, e que paravam numa dezena de vilarejos
e portinhos de carga e descarga de mantimentos… Os vapores Rio de Una e
Juquiazinho, por serem menores faziam um percurso mais longo, indo até Juquiá,
saiam de Iguape às oito da manhã e chegavam a Juquiá às dezoito horas, essa
viagem na atualidade tem a duração no máximo de uma hora e meia.
O
menino Máximo era fascinado com os grandes vapores que trafegavam pelo Rio
Ribeira; no convés amontoavam as muitas mercadorias produzidas nos sítios
ribeirinhos. Víveres alimentícios, porcos, gado, galinhas… O primeiro andar
era ocupado pelos pobres, tinha banheiro, cadeiras, bancos, mesas e cozinha,
ali a alimentação era mais em conta, já no terceiro pavimento os ricos viajavam
em cabines individuais onde eram servidos por garçons…
Ele
se lembra de quando Zeca Cartoleiro foi contratado para aterrar o campo de
aviação entre os anos de 1939/40… Toda a terra foi transportada em carroças;
as pessoas de posses vinham de avião para a Festa do Bom Jesus…
O
deslocamento para São Paulo se dava de navio até a cidade de Santos, mas com a abertura
de estradas, e a chegada dos ônibus e caminhões o trajeto terrestre para a
capital era por Pariquéra/Registro/Serra da Macaca… Uma longa e cansativa
viagem…
No
ano de 1947 Seu Máximo se lembra dos imensos cardumes de sardinha do norte no
nosso lagamar, dos barcos utilizando pás para descarregar camarão no velho mercado,
o prédio atual é a sua terceira versão…
Até
o ano de 1980, Máximo Takahira plantou arroz, o fechamento da barragem acabou
de vez com a sua plantação, ele passou dezenove anos no bairro Aquarius, foi
contratado como tratorista, mas também foi dono de Pousada e pescador, e neste
bairro fundou a primeira cooperativa de pesca, tendo vinte famílias como sócias;
depois passou nove anos pescando entre Cananéia e o sul do país…
Com
sua primeira esposa Satoi Tadano foi pai de Marlene Massaro Takahira, Neusa
Missado, Eumeiko Takahira, Noel Seiji Takahira, e Mosait Haru Takahira… Tem
dez netos e dois bisnetos. Enviuvou e no ano 2000 se casou com Anita de Souza
Takahira, com a qual tem dois filhos Diana e Marsal de Souza Takahira.
Seu
Máximo nasceu em 14/11/1932, faz tempo que se aposentou, mora a vinte metros do
Rio Ribeira, no Bocuí, entre pés de goiaba, limoeiros, uma pequena horta e
continua com seus trabalhos de carpintaria e pescando manjuba…
Seu
Máximo é um homem feliz, tem muitos amigos e não fez nenhum inimigo nessa
jornada vida; é bem quisto, um grande contador de história, conhece todas as
nossas lendas urbanas, já viu muita coisa estranha espiando por entre as árvores
da Mata Atlântica… Conheceu todas as figuras proeminentes que marcaram nossa
cidade no decorrer do século XX, é um arquivo vivo do passado, ele gosta de uma
boa prosa; vida longa ao Seu Máximo Takahira, e que seu barco-vida ainda
navegue por muitos e muitos anos por todos os nossos rios.
Gastão Ferreira/2021
Gastão Ferreira começou a publicar seus textos aos 13 anos. Reconhecido por suas crônicas e poesias premiadas, suas peças de teatro alcançaram grandes públicos. Seus textos e obras estão disponíveis online, reunidos neste blog para que todos possam desfrutar de sua vasta e premiada produção.