A goteira
Meu
pai foi carpinteiro de profissão, eu devia ter uns dez anos de idade quando ele
comprou casa própria; comprou uma casa de madeira, ele e alguns amigos
trouxeram de longe a casa desmontada. Naquela época elas eram comuns (1958/60)
no Sul do país, e quase acabaram com os pinheirais.
Nossa
casa tinha sala, três quartos, varanda, cozinha, uma área coberta nos fundos
onde foi furado um poço d’água, e mais longe a patente, também conhecida como
casinha; ah, sim… Ela também tinha porão, o lugar ideal para ler gibis.
No
quintal um pé de goiaba, limão, bergamota, laranja; na frente da casa aquela
grama gostosa, um belo pé de Cinamomo com um banco comprido para todos
sentarem, e um canteiro de flores. Os miosótis, onze – horas, um pé de jasmim, as
rosas que minha mãe tanto gostava, e uma cerquinha de tábua com um portão de
madeira, na calçada apenas grama verdinha.
Nas
noites estreladas de verão, eu que já andei por esse mundo, eu nunca vi um céu
noturno como o do Rio Grande do Sul, parece que as estrelas têm mais brilho,
elas são mais visíveis, a Via Láctea é mais formosa, as Três Maria, o Cruzeiro
do Sul, enfim coisa de piá gaúcho que guardou estes retalhos na memória…
Nestas noites, sentados na grama, nós ouvíamos as histórias que nosso pai nos contava,
os seus causos e lendas gaúchas.
Também
me lembro das tempestades, poucas vezes nos lugares por onde morei presenciei
tormentas tão terríveis como as do Sul; o céu escurecia rapidamente, raios,
relâmpagos, trovões, ônibus estacionando no acostamento até o pior passar…
Parecia que o fim do mundo estava chegando.
Estas
tempestades e ventanias quase punham para baixo a nossa casa; minha mãe reunia
a ninhada sobre a cama e invocava Santa Bárbara, meu pai se grudava com a porta
da frente da casa, tinha medo de que o vento a abrisse… Se alguém conheceu o
terror frente a frente foi eu; a mãe desesperada, o pai apavorado e a criançada
de olhos arregalados… Nunca caiu uma telha da casa, nunca uma tábua se
despregou da parede, portas e janelas sempre ganharam a luta contra o vendaval.
A
casa venceu muitas intempéries, frio congelador, vento minuano, calor
abrasador… A casa perdeu feio para as goteiras, pensa numa casa com goteiras,
era a nossa… Nosso pai era carpinteiro e não entendia nada de telhados; o
sonho de minha mãe era um dia morar numa casa sem goteiras, sonho bobinho de
uma mãe que enchia a casa de baldes, canecos, bacias, panelas… Tadinha!
O
tempo passou, a vida melhorou, eu mudei para longe… A nova casa era toda de
blocos de pedra, tinha lareira, banheiro dentro de casa, ar condicionado…
Casão! Muro de pedra com gradil, garagem com porta de vidro… E, quando chovia
tinha goteiras.
Minha
mãe nasceu numa casa que possuía goteiras, tudo bem era um rancho a margem de um
regato e no meio da mata… Morou a vida toda em casa com goteiras, todas as
casas em que moramos eram térreas.
Hoje
na minha sala apareceu uma goteira, lembrei do desespero de minha mãe frente a
uma goteira; fiquei observando a danadinha da goteira, peguei uma vasilha e
coloquei em baixo, quando passar a chuvarada ela para… A nossa mente viaja, a
nossa mente é um arquivo de filmes antigos…
Eu
revi a minha mãe, seu desespero perante as goteiras, espiei novamente meus Irmãos
e irmãs, todos nós crianças, rindo, correndo pela casa e colocando baldes em
baixo das goteiras, e observei seus rostinhos, seus olhos risonhos, e um cisco
teimou em cair na minha vista, embaciando meus olhos; como éramos felizes na
nossa simplicidade, na nossa pobreza de roupas sem grife, dos móveis rústicos,
da comida contada…
Nós
éramos felizes, e nós não sabíamos… Todos nós preocupados com uma goteira
imbecil… Nós crescemos e fomos à procura do TER sem saber que o que mais
importava era o SER… Que saudade das goteiras da minha velha casa!
Gastão Ferreira/2021
Gastão Ferreira começou a publicar seus textos aos 13 anos. Reconhecido por suas crônicas e poesias premiadas, suas peças de teatro alcançaram grandes públicos. Seus textos e obras estão disponíveis online, reunidos neste blog para que todos possam desfrutar de sua vasta e premiada produção.