Antigamente na Princesa do Litoral Sul do Estado de São Paulo as coisas eram diferentes; lendas urbanas eram levadas à sério, ninguém entrava em um cemitério após o anoitecer, as portas e janelas eram fechadas quando um cortejo fúnebre passava frente as casas, namorados não beijavam suas amadas, e um breve pegar e largar de mãos era o máximo de erotismo concedido aos jovens enamorados.
As crianças eram educadas no porrete, e nas casas das boas famílias caiçaras um cipó de timbópeva não permitia que os filhos crescessem sem educação, na escola a palmatória era o terror dos alunos preguiçosos… Foi devido à palmatória que a menina Liduina Escolástica de Azevedo Amaral Andrade faleceu…
A professora Yara Cabrito adorava espancar seus pupilos, toda a vez em que um aluno errava uma resposta, a palmatória e o se ajoelhar sobre grãos de milho era o castigo exemplar, o pior aconteceu na aula em que Lidu foi inquirida sobre qual era o nome da famosa cidade que ficava após o Rio Subauma e a divisa do Estado do Paraná, e errou feio na resposta; – É Pariquéra, mestra…
Mestra Cabrita preparou a palmatória e a guriazinha saiu correndo, escafedeu-se no mundo, e foi atropelada pela carroça de um sitiante que trafegava na Rua do Commercio… A cidade parou! A consternação foi geral, mestra Yara passou a ser hostilizada nos logradouros públicos, e começou a beber, beber, e beber… E quando bebia ela notava o vulto de Liduina apontando seu dedinho fura-bolo em sua direção…
O senhor vigário proibiu os fieis de passarem após o anoitecer pela Rua do Commercio, nas confissões do dia a dia sempre havia quem deu de cara com a visagem da menina Lidu, e algo de ruim acontecia; caia um tombo, ou queimava o arroz, perdia a rede de arrasto, o cachorro ficava doente…
A Rua do Commercio começou a ser evitada pelo povo, e é por isso que até a atualidade ela tem tão poucas casas entre o prédio da Câmara e a Praça São Benedito; a rua trocou de nome, hoje se chama Jeremias Júnior, mas sempre que alguém lembra o antigo nome dá de cara com a menina Liduina, e algo horrível acontece…
Lembrei dessa lenda urbana porque um turista me perguntou se eu sabia qual era o nome primitivo (indígena) do Rio Ribeira de Iguape, e também como se chamava a Rua Jeremias Júnior na época da fundação da cidade…
Fiz de conta que não havia entendido a pergunta, não respondi, vai que a menina Liduina me apareça, ou pior ainda que o fantasma da mestra Yara resolva me dar uma surra, eu não disse, mas a mestra também virou assombração; ah, como Iguape tem histórias do arco da velha!
Gastão Ferreira começou a publicar seus textos aos 13 anos. Reconhecido por suas crônicas e poesias premiadas, suas peças de teatro alcançaram grandes públicos. Seus textos e obras estão disponíveis online, reunidos neste blog para que todos possam desfrutar de sua vasta e premiada produção.