Apenas um estranho…

UM ESTRANHO…

         Will foi
criado por uma camponesa que morava nos confins do Vale Feliz. Sua família
perecera num incidente ocorrido quando tinha poucos meses de vida. “Uma
fatalidade”, dizia tia Wandinha, “gente boa morre cedo!”
         Por
muitos anos Will teve pesadelos terríveis, sonhava com um veículo caindo num
precipício e uma mulher em desespero jogando um recém-nascido pela janela.
Seria sua mãe? Outras vezes seus sonhos o levavam a lugares nunca vistos, águas
vermelhas batiam em negros rochedos e num céu verde carros voadores flutuavam
silenciosamente. Com o passar do tempo seus pesadelos passaram a ser normais…
Um cachorro com chifres cantando em chinês, uma cobra sendo usado como varal,
um minotauro dividindo uma cerveja com um centauro, coisas comuns, nada para
ficar apavorado.
         Will se
achava a pessoa mais normal do mundo, estudou, se profissionalizou e morou em
diversas cidades. Em todas se sentia um estranho, parecia que nada lhe
pertencia de verdade, não conseguia se imaginar proprietário de algo; – “Não
sou dono de nada, quando eu for embora tudo ficará aqui!”, dizia.
         Notava
as pessoas brigando por bobagens, se ofendendo gratuitamente com agressões
físicas e verbais, pensava; – “A vida é tão curta para desavenças tão pequenas,
não carregarei o peso de ódios que não são meus! A infelicidade é um estado de
espírito, não faz parte do meu dia a dia, eu sou feliz!”
         O tempo
foi passando e o sentimento de não pertencer aumentando. “Porque será que é
assim? Tenho minha casa, meus amigos, meus animais de estimação e esta solidão
sem nome que me devora… Não é uma solidão de falta, de estar junto, de ter
alguém… É algo mais profundo, uma saudade que não é minha, algo que vem de
muito longe e me espia em silencio… Passos que não deixam rastro, perfumes, diálogos
entre sombras em lugares nunca visitados, uma ausência de rostos que amei e não
recordo…”
         Will foi
chamado com urgência ao Vale Feliz, tia Wanda estava nas últimas e queria se
despedir. Nhá Wandinha mal reconheceu o sobrinho sussurrou; – “Will, perdoa
esta velha que já está de partida, eu menti, não sou sua tia de verdade… Sabe
o Morro do Diabo? Foi lá que te encontrei sobre a pedra do Saci… Você
chorava, não vi ninguém, te trouxe comigo, te dei todo o amor que eu tinha,
muito obrigada por ter sido a luzinha que iluminou minha solidão… Agora posso
seguir em paz.”
         Depois
do enterro Will foi até o Morro do Diabo, contornou a pedra do Saci e se
embrenhou na mata. As peças do veículo estavam cobertas pela vegetação, dois
esqueletos amarrados pelo cinto de segurança comprovavam que o impacto fora
terrível… Seu pai? Sua mãe? No piso do transporte três fotos, material
desconhecido, tecnologia avançada… Numa das fotos um casal e uma criança, em
outra um mar de águas vermelhas quebrando numa praia de areias azuis e a
terceira foto mostrava um céu verde com nuvens amarelas onde um carro voador
flutuava, alheio a paisagem.
         Will
vasculhou os arredores, nada mais encontrou… Não sabia o porquê, mas tinha a
certeza que aquela aeronave era de Marte… Tinham vindo de tão longe, cruzaram
o espaço, uma pane e a nave explodiu, mal deu tempo de salvar a criança… A
criança que virou um estranho na Terra… Neste momento a saudade chegou e
agora tinha um rosto, um nome e um endereço… Will chorou desconsolado pela
primeira vez!
Gastão Ferreira/2012
        
          

Deixe um comentario

Livro em Destaque

Categorias de Livros

Newsletter

Certifique-se de não perder nada!