Dia das Mães chegando…

NUNCA  APRESENTADA…

         Nunca
fomos apresentados. Eu a conheci através dos olhos de minha mãe. Minha mãe
gostava de lembrar a história dos nossos antepassados, de sua avó, das muitas
tias, das dezenas de primos e parentes. As memórias de sua infância se
misturavam com as minhas. Suas brincadeiras nas arvores frutíferas, os animais
no pasto, os nomes dos cachorros e gatos que de alguma forma marcaram aqueles
dias distantes de sua meninice. Contava das festas, da morte do primo que casou
com outra prima e que após o casório ao se dirigirem pela primeira vez ao novo
lar, foram pegos por um temporal. Estavam num descampado e resolveram se
abrigar embaixo de uma grande arvore até a chuva passar. Caiu um raio e matou
os recém-casados. A prima morreu vestida de noiva.
         Neste
momento minha mãe se transformava, parecia não estar ali a falar comigo. Fitava
o vazio, fugia para um lugar inacessível. Às vezes sorria e muita outras vezes
notei a presença furtiva de uma lágrima. Quando questionada disfarçava; – “Não
é nada, meu filho! Foi um cisco que caiu no olho.” Mudava de assunto, contava
de alguém que há muito tempo não via; – “ Por onde andará fulana? Casou, foi
morar longe, não deu mais noticias…”. Suspirava.
         Venho de
uma linhagem de contadores de historias. Meus avós, meus pais, meus tios sempre
tinham novidades a contar. Meus avós gostavam de causos antigos, das muitas
batalhas ocorridas no sul do país, da invasão de suas terras pelos uruguaios,
paraguaios, argentinos, índios desgarrados, bandos de ladrões de cavalos e
gado. Das mulheres raptadas que nunca retornaram ao convívio fraterno. Dos
parentes perdidos defendendo o solo ancestral. Histórias de nossos antepassados
vindo de tantos lugares, França, Inglaterra, Portugal e que casaram com índias
guaranis, viraram estancieiros, criadores de cavalos, de ovelhas, de rebanhos
bovinos. Plantadores de trigo, arroz, amendoim. Homens que se divertiam caçando
perdizes, domando cavalos, pescando nos grandes açudes, sangas e rios. Homens
que gostavam de dormir ao relento cobertos por seus ponchos gaúchos, tocadores
de gaitas que participavam de corridas equestres, que enfrentavam a fúria do
inverno, o frio cortante, o vento minuano.
         Meus
tios eram mais modestos, inventavam histórias do Negrinho do Pastoreio, de Sepé
Tiarajú, o grande guerreiro guarani, defensor perpétuo dos pagos gaúchos e que
virou estrela; – “Estás vendo as Três Maria? Agora repara no Cruzeiro do Sul. É
por ali… Espia naquela banda do céu, aquela luzinha é São Sepé nosso
protetor. Quando estiveres com problema feio, é só pedir que ele desce lá do
alto e te atende na hora.”
         Minha
mãe contava histórias de sereias que enfeitiçavam marinheiros, Mãe d’água que
cantavam nos rios, sacis que trançavam as crinas dos cavalos, do Bicho
Carpinteiro que até hoje não sei quem é… Meu pai tinha um fraco por um tal
Bicho Folharedo. Era sua melhor história, repetida mil vezes e que nós, os seus
filhos, escutávamos de olhos iluminados pela luz das estrelas, sentados na
grama do jardim, sem saber que éramos felizes, que guardaríamos para sempre em
nossos corações aquele momento mágico. Pedíamos; – “Pai! Conta de novo a
história do Bicho Folharedo.”
         Hoje,
depois de tantos anos, ainda me lembro dos risos, dos abraços, das horas
felizes, do carinho e do orgulho dos contadores de histórias. Da paciência dos
adultos que repassavam nossas lendas, nossas tradições, nossos mitos, suas
experiências de vida. Seus conhecimentos adquiridos na lida diária
misturavam-se aos contos que me fascinavam. Lembro-me dos olhares que se
perdiam nas lonjuras, que fugiam para lugares desconhecidos, que pareciam
compartilhar de um outro tempo, de um outro mundo. Lembro-me da lágrima
discreta nos olhos de minha mãe ao recordar a prima que o raio matou. Revejo o
brilho nos olhos de meu pai, da sombra que rondava discreta aqueles dias
felizes. Ela possuía um nome, nunca fui apresentado, eu a conheci através de
minha mãe. Hoje eu sei quem ela é! Tornou-se minha amiga, uma visita constante
em minha casa… Entra sem bater, mexe nos guardados, rele velhas cartas, olha
meus álbuns de fotografias, passa a mão de vento em minha face e eu neste
instante mágico volto ao passado, falo com gente que já se foi, pergunto por
amigos distantes e uma lágrima, o cisco nos olhos de minha mãe, me desperta.
Esta amiga fiel, que minha mãe nunca me apresentou se chama SAUDADE.
Gastão Ferreira/2012/Iguape-SP

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