TEMPOS MODERNOS


TEMPOS MODERNOS

Quando o primeiro telhado desabou ninguém se importou. Com o passar do tempo muitos outros ruíram. O mesmo aconteceu com os pedintes, foram chegando e tomando conta do centro histórico, ficaram como parte da paisagem. Eram tantos que se dividiram em grupos e cada grupo se apossou do local que mais lhe convinha. Praças, jardins, construções abandonadas serviam de valhacouto aos visitantes indesejados, o poder público fechou os olhos e quando os abriu a cidade estava tomada.

Prédios em ruínas, patrimônio dilapidado, os nativos recorriam aos serviços de outra cidade para que seus filhos viessem ao mundo, pois não havia maternidade no município, também não existia um velório público e assim se unia o destino de todos, do nascimento a morte a carência era generalizada.

A esperteza é a mãe de todas as sacanagens. Os mais astutos recorreram ao tombamento dos prédios históricos como formula mágica de preservação dos bens culturais herdados dos antepassados. Não gastariam um tostão do erário público municipal, pois a grana era federal. No centro antigo tudo deveria ser como no tempo de Dantes, nenhuma casa em estilo contemporâneo permitida, somente construção anterior ao século XIX e sem excêntricas modernidades.

A Nova Era começou com a destruição do Coreto da Praça da Matriz. Uma velha cruz foi sagrada como o objeto mais significativo da cidade agora tombada pelo patrimônio histórico federal. A antiga cruz tinha a sua triste história pessoal, feita em Portugal cruzou os mares e adornou a primeira capela dos colonizadores, passou por várias igrejas, morou um bom tempo nos subterrâneos da Matriz, quase se afogou no desbarrancamento do Valo Grande, deu um tempo, jogada ao relento no Museu, foi parar num pedestal sem importância na orla do lagamar. O interessante é que para tal objeto tão maravilhoso nunca ninguém ligou a mínima e de uma hora para outra passou a representar a própria alma caiçara.

Os modernos meios de transporte inicialmente foram trocados por ônibus do século passado e aí a coisa se perdeu… Gostaram tanto que voltaram as carruagens, as diligências, os coches. Qualquer cidadão que transitasse pelo centro histórico devia se vestir a moda do século XIX, os homens de fraque e cartola, as mulheres com longos vestidos e anáguas, sem esquecer que o tratamento era vosmecê, sinhozinho e sinhazinha. Quem não seguisse as novas regras estabelecidas para o progresso era açoitado em um dos cinco pelourinhos espalhados por pontos estratégicos na cidade.

Foram recriados antigos empregos, tais como; – Acendedor de lampião, coletor de latrinas, capitão do mato, almotacel, condutor de carruagens, guarda noturno e muitos mais. Turistas apreciadores do modo de viver do passado fizeram a festa, mas apenas no começo, quando se espalhou aos quatro cantos que para visitarem a localidade era obrigatório o pagamento de pedágio, todos se escafederam.

Na verdade quase nada mudou na vida dos habitantes locais, as meninas boas rezam pela salvação das meninas más que vão às festinhas e aproveitam a vida adoidadas. Os pais continuam a culpar as más amizades dos bons filhos pelo fracasso dos mesmos, os traficantes traficam, os alcoólatras bebem todas, os pecadores pecam e quem não se permite um deslize em público faz fofoca, os corruptos se corrompem cada vez mais, os ladrões assaltam e os escritores escrevem sobre o que vêem ou inventam como estou inventando esse texto que não tem nada a ver com a nossa realidade e nem serve de carapuça a ninguém.

Gastão Ferreira/2011

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