Assim foi… Assim é.

LANA GILETE

         É noite
e na cidade todos dormem, na verdade nem todos. Alguns bacanas se aprontam para
mais uma bacanal, muitas donzelas saltam as janelas para encontros secretos na
pracinha. Luy Pegaleve, único herdeiro do milionário Amâncio Pinto, usineiro e
senhor de escravos, está eufórico, nesta noite sairá finalmente do
guarda-roupa. As portas dos bares estão fechadas, de dentro dos
estabelecimentos vem brincar na rua gemidos, sussurros e ocasionalmente um
sonoro palavrão. De fato, os que repousam no silêncio da noite são os humildes
trabalhadores, os escravos, os operários, os pedreiros, os carpinteiros, os
pobres, ou seja, quem não necessita acordar cedo fica na esbórnia até o
amanhecer.
         Luy saiu
sorrateiramente da mansão familiar e foi ao encontro da amiga Bella Paloma,
neta de Linda Paloma, a portenha que montou o primeiro prostíbulo da cidade…
Bella herdara os bens de vovó Pombita (Para quem não estudou Paloma é a ave-pomba
em espanhol.), comprou um título de nobreza, vários sítios, casarões que mandou
reformar e aluga para comércio de variedades. Todos na cidade beijam sua mão,
também empresta dinheiro a juros. Bella é rica prá cacete. De dia dá esmolas à
noite dá outras coisinhas por puro prazer. Foi ela quem incentivou Luy a sair
do armário, digo, do roupeiro. 
         Pegaleve
trocou de roupa no palacete de Bella. Maquiou-se, colocou uma peruca loira e
ambos saíram para passear na beira do cais. Muitos marujos bêbados e insones
procuravam por breves aventuras, marinheiros eram bons parceiros porque mal
clareava o dia os navios zarpavam e com eles os fatos ocorridos na madrugada.
Bella e Luy não eram os únicos que estavam no local a fim de curtir os prazeres
de Eros. Muitas dondocas de boas famílias, disfarçadas, também troteavam pelo
cais, mas ao passar uns pelos outros, faziam de conta que nunca se tinham
visto, nem se conheciam.
         As mal
afamadas mulheres de programa, as que rodavam bolsinhas, as que se entregavam à
desconhecidos a troco do metal vil, as dissimuladas prostitutas, raparigas de vida
fácil, não gostavam da concorrência com quem não era do metiê e sempre surgia
alguma confusão… Não deu outra! Lana Gilete provocou Luy bem na hora que o travéco
abatera dois marujos. A baixaria estava armada e metade da cidade veio assistir
ao bafão.
         Lana
Gilete era o nome de guerra de Emerenciana Brígida de Castro Neves Souza
Paranhos, apelido nhanhá Gida, filha da lavadeira do comendador Amâncio Pinto.
O cognome Gilete era devido a um probleminha pessoal da moça, uma hora prestava
serviço aos senhores da terra, outra hora às madames que a gratificavam muito
bem.
         O
arranca rabo entre Lana Gilete e Luy Pegaleve que fraturou duas costelas e
perdeu um dente, acabou frente ao comissário de polícia. O jovem sargento de
armas, muito justo, fez de conta que não reconheceu Luy e mandou dar uma
valente surra em Lana Gilete. Levou Luy para uma cela especial e manteve com o
jovem um longo diálogo… Estão juntos até hoje.
         Luy
voltou ao armário, o sargento ganhou uma promoção, Coronel Marcondes é o melhor
amigo de Luy. Bella adotou dois jovens grumetes promissores e quando o navio em
que trabalham aporta no cais, muitos foguetes são disparados. Todos na pequena
cidade sabem que em algum lugar haverá uma bacanal noturna.
         Na
madrugada as donzelas ainda pulam as janelas, os marinheiros procuram carinho,
os desavisados são assaltados, as garotas de programa trabalham. As mulheres de
vida fácil têm uma vida difícil. Lana Gilete sem cinco dentes roda a bolsinha e
os bacanas se encontram e se desconhecem em mais uma bacanal… O sino acorda o
povo, mais um dia de trabalho, o que ocorre na noite, o dia faz de conta que
não sabe e todos convivem felizes.
Gastão Ferreira/2012   

 

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