Lembrente

A Lenda da Paixão
        
duas décadas o Século das Luzes (XIX) chegara ao fim, e o novo século, o XX,
ainda não tinha apelido; no planeta Terra já ocorrera uma guerra mundial e
várias revoluções, na Princesa do Litoral, a vida dormitava à beira do manguezal,
os barcos ancoravam no Porto Grande, a pesca da manjuba era insipiente, a
cidade sobrevivia do plantio de arroz em escala comercial; Theodoro era caixa
em uma grande loja de armarinhos.
         Morador
do Funil de Cima, no centro da cidade, o mancebo Theodoro tinha grandes planos;
um dia, no futuro seria o proprietário de uma pousada, pois o porto era a cada
mês mais movimentado, e as casas de repastos eram poucas. Um dia casaria com o
grande amor de sua vida, Thereza. Juntos enfrentariam o mundo, conheceriam a
felicidade, e envelheceriam em paz; um dia, ele tomaria coragem e enfrentaria
os pais de Thereza, eles criaram a filha para que ela casasse com alguém de
posse, talvez ocorresse alguma dificuldade para o futuro enlace, mas Theodoro
tinha a certeza de que o amor de Thereza era real, e que a sua fantasia se
tornaria realidade. Um dia…
         Thereza
era uma moça esperta, de família tradicional, com eiras e beiras, herdadas dos
antepassados que faliram com o final da monarquia, mas que ainda mantinham a panca
e os ares de nobreza. A sua maneira admirava Theodoro, o caixa da loja de
armarinhos. Gostava particularmente dos muitos mimos com que ele a presenteava,
pois o rapaz, que conhecia cada gosto seu, fazia questão de encomendá-los aos
proprietários de navios mercante que atracavam no cais.
         Quando
os pais de Thereza descobriram o romance, exigiram um final imediato; Thereza
alegou que era apenas um inocente namorico, que não se preocupassem, escreveria
ao rapaz, pondo fim aos encontros, pois sabia que estava prometida desde o
nascimento ao filho de um rico comerciante, e que seu futuro era o luxo e o
poder. Escreveu ao moço Theodoro e pôs fim ao flerte, sem esquecer de mencionar
que pobreza não enche barriga, e que o rapaz merecia ser feliz com alguém da laia
dele.
         O
mundo de Theodoro desmoronou; sua luz interior apagou, sua alma adoeceu, e o
suicídio foi o caminho encontrado, pois sem Thereza a vida não valia a pena ser
vivida. Escreveu uma carta contando a sua história, falou de seu louco amor, da
morte dos seus sonhos, da tristeza, e da punhalada certeira de Thereza; à
noite, Theodoro jogou-se de um penhasco.  
         Quando
a carta foi achada e quando o corpo sem vida de Theodoro foi encontrado, toda a
cidade se comoveu; Thereza e família foram enxovalhados, denegridos, xingados,
e o local do suicídio passou a ser conhecido como A Pedra da Paixão.
         O
fato ocorreu no Ano da Graça de 1923, e até hoje as pessoas passam de pai para
filho a história de Theodoro, o nosso Romeu sem Julieta; alguém que amou, e que
por amor desistiu de viver. Na atualidade existe uma casa junto a Pedra da
Paixão, a entrada é proibida, mas por muitos anos era comum os casais de
namorados fazerem suas juras de amor sobre a pedra, e a moça jogar flores em
memória de Theodoro.
         Thereza
casou com seu rico pretendente, provavelmente teve uma vida de luxo, cercada de
bens materiais e carente de afeto real, só ela poderia nos contar se valeu a
pena trocar o amor verdadeiro pelo ouro, afinal ouro foi, é, e será apenas ouro
e nada mais, dizem que tem o poder de comprar a felicidade se ela estiver a
venda. Será?
Gastão Ferreira/2019

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