Zébinha, um causo
estranho.
         Eu
pescava para o lado da Praia do Leste, na foz do Rio Ribeira de Iguape, quando
a tempestade me alcançou; o lugar é afamado pela quantidade de raios e as
muitas mortes causadas pelas descargas elétricas. A última imagem da qual me lembro
foi o ar azulado, e um grande estrondo, e eu deitado sobre um monte de capim à
beira-mar.
         Eles
se cobriam de farrapos e chegavam em grupos pela praia. Parecia seguirem uma
determinada pessoa; uma moça de negros cabelos, bastante jovem e vestida de
branco; -“Salve, divina Zébinha! Defenda nossas almas. ”, uma deusa das águas?
Talvez!
         A
velha, amparada em um cajado, me encarou; -“Por acaso, você avistou minha neta
Maria Euzébia aqui na praia? ”
        
“Acabei de chegar, e nem imagino o que está acontecendo; penso que morri! É
verdade? ”
        
“Morto, com certeza não está, pois estamos conversando e eu à procura de minha
neta, que adora este lugar fora do tempo e a margem da vida…”
        
“Por favor, já basta o apuro que passei com a queda do raio; não me assuste! Há
pouco presenciei uma procissão, almas cantavam loas a uma deusa local de nome
Zébinha…”
        
“Zébinha? É a minha neta, Maria Euzébia…”
         Despertei
com a cabeça latejando, efeito da descarga elétrica, aparentemente eu estava
inteiro, e outros pescadores se aproximaram, e um deles comentou; – “Vi o
momento em que o raio tocou a areia da praia, me pareceu que havia mais
pessoas, pareciam mendigos, e uma velha com um cajado estava bem ao teu
lado…”
         Permaneci
em estado de choque, e o pessoal me conduziu a um casebre de caiçara perto da
praia; uma senhora me ofereceu um copo de água com açúcar e um banco de madeira
para sentar. Casa de barro, choupana coberta de sapé, a mulher explicou que só
ocupavam o imóvel durante a temporada de pesca da manjuba; tinha pavor dos
raios, muitas pessoas da sua família tinham perdido a vida por andarem na praia
durante as terríveis tempestades.
         Fiquei
espiando a casa; na parede uma tarrafa, um covo, um retrato, e no retrato uma
moça e uma velha me observavam, as duas figuras que encontrei durante o meu
desmaio, e em seus rostos um enigmático sorriso; – “Quem são? ”, perguntei à
dona da casa.
        
“Minha mãe, Maria Zenaide, e minha sobrinha mais moça, Maria Euzébia… Zébinha
desapareceu durante uma tempestade e seu corpo jamais foi encontrado; mamãe saiu
à sua procura e também desapareceu. Até hoje, nada sabemos do que aconteceu…”
         Meus
cabelos se arrepiaram, mas nada disse; como explicar à filha que sua mãe estava
retida num lugar atemporal, que ainda procurava pela neta perdida na
tempestade, e que Zébinha era agora uma deusa do mar… Não! Nada feito, eu não
podia passar por louco. Graças a Deus que os outros pescadores também notaram
os vultos na tempestade, e comprovaram a minha sanidade. Chega de histórias de
pescador! Nunca mais fui pescar na Praia do Leste.
Gastão Ferreira/2019
          
        

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