O lobisomem e o
réveillon/2021

 

         Bem
vindo 2021! O ano de 2020 foi embora numa noite de lua cheia; mil rojões, fogos
de artifícios, bombas, bombinhas, espoletas, moto com escapamento aberto,
carros com som estratosférico, gritos, palavrões, brigas e muvucas, algo bem
normal em cidade praiana.

 

         Junico
chegou a Praça da Matriz, garoto da zona rural, veio curtir a estréia do ano
novo, e quem sabe descolar uma paquera. O rapaz estava encantado com tudo o que
via; mesas lotadas, muita bebida, gente bonita e bem vestida, abraços, risos,
casais enamorados, cantorias e violões.

 

         Na
vigésima volta em torno da praça avistou Jandira, uma manoradinha dos tempos
infantil. Era agora uma linda mulher, seus olhares se cruzaram e Cupido
terminou o serviço… Foram passear nos jardins da orla do lagamar, mãos dadas,
felizes pelo reencontro. 

 

         Estavam
sentados num canto escuro embaixo de uma árvore copada, a garrafa de champanhe
no fim; Junico se preparava para a declaração de amor, foi quando começou o
foguetório, rojões cortavam o céu, fogos de artifícios riscavam o espaço,
barulho ensurdecedor… Junico começou a tremer, a suar, a se apavorar.

 

         Jandira
olhou para o rapaz e ficou horrorizada; as feições do moço estavam alteradas, a
face coberta de pelos, os olhos vermelhos, caninos salientes, lentamente tomou
a forma de um grande e negro cão… Jandira desmaiou.

 

         Era
a primeira vez que Junico se transformava na besta fera, sabia que um dia a
metamorfose viria, na verdade não estava preparado, ninguém está preparado para
virar cachorro assim num repente…

 

         O
som dos foguetes, o estrondo dos rojões apressou a mudança; era agora um
lobisomem aprendiz! Que fazer? A moça desmaiada, a fera faminta! A parte homem
dizia para respeitar a rapariga, o lobo queria devorar…

 

         Junico
se embrenhou no mangue, a lua cheia clareava as águas do lagamar, estraçalhou
um cachorro do mato, uivou para a escuridão; saiu do manguezal e correu para a
montanha, buscou o caminho do sítio onde morava…

 

         Sua
cabeça doía, latejava, seus ouvidos hipersensíveis o desnorteava; pobre dos
dogues, dos gatos, dos animais da floresta… O lobisomem, a besta, a fera
tinha compaixão; o homem não!

 

         Na
madrugada acordou nos fundos da moradia, nu, exausto; foi muito azar a primeira
transformação chegar numa passagem de ano… No escuro do jardim Jandira
despertou; – Que pesadelo horrível, champanhe nunca mais! Onde está Junico?
Será que foi só um sonho?

 

 

Gastão Ferreira/2021 

 

        

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