O décimo filho

Um causo difícil de acreditar, quem me contou foi Seu Dito Bagre, um pescador com mais de noventa anos. Ele me disse que conheceu nhá Galdina Ramos, a mulher que teve doze filhos; sendo que as dez primeiras crianças eram homens e que depois vieram duas gurias.

Naquele tempo doze, catorze, quinze filhos era algo normal… Sem luz, sem televisão, morando numa casa coberta de sapé às margens do Rio Tramandaí a família subsistia com a pesca e a caça de animais silvestres.

A molecada cresceu forte e saudável graça aos filés de traíras, as tainhas assadas, os bagres ensopados, aos tatus no forno, costeletas de capivara, guisado de bugios, patos e jacarés que descansavam na beira do rio…

A vida apesar da pobreza era pacata e bela, e sem grandes sobressaltos, mas um dia tudo mudou… Naquele ano um lobo, bicho que nunca existiu na região, estraçalhou o leitão Miúdo que estava sendo cevado para o final do ano, e no ano seguinte outro lobo surgiu, e por incrível no terceiro ano mais um lobo apareceu…

Os três lobos agiam em conformidade entre si; eles sabiam tocaiar uma presa, esquartejar um porco do mato, cercar uma anta, matar uma ema em pleno campo… Nunca atacaram um ser humano, se bem que apavoraram muitos viventes…

Em noite de lua cheia ninguém saia de casa, um boato apareceu e informava que os três lobos na verdade eram lobisomens… Desde que o primeiro lobisomem (Lycaon) apareceu na Grécia Antiga, os homens não sossegam enquanto não matam a besta fera…

Um lobisomem só ataca um ser humano sentindo-se ameaçado, ou seja, se não mexer com o bicho nada acontece, e ali no meio daquele nada, nas lonjuras do Rio Tramandaí, entre criação de gado e algumas poucas plantações foi decretado o extermínio dos lobos…

Foi uma carnificina das brabas, muita gente inocente morreu muita bala de prata desperdiçada, muita desconfiança entre o povo… Apareceram os especialistas em licantropia, os que sabiam tudo sobre lobisomem e incentivaram o populacho contra a família de Dona Galdina Ramos…

Os ditos conhecedores da sina dos lobisomens afirmaram que o sétimo, o oitavo e o nono filho de Dona Galdina com certeza, segundo a tradição oral, eram lobisomens, e tocaiaram os rapazes, não satisfeitos retalharam e cremaram os seus corpos…

Os nativos tentaram esconder a carnificina, e história ficou confinada na região, mas parece que os lobisomens ainda persistem em matar ovelhas e bezerros…

Perguntei ao Seu Dito Bagre se ele realmente acreditava nessa lenda do sétimo filho sempre ser um lobisomem, segundo ele, toda a mulher que gerar em consecutivo sete bebês do sexo masculino a partir do sétimo todos os outros que nascerem antes de uma menina também terão a sina de ser uma besta fera…

Óbvio que não acreditei e falei na lata para Seu Dito Bagre que tudo era uma lenda urbana, coisas de gente sem noção, ele reagiu de forma estranha, e falou e disse; -“Olha guri! Estou com noventa e seis anos… Ah, se eu fosse um jovem! Eu sei muito bem do que falo, eu assisti de longe matarem meus irmãos, eu sou o décimo filho de nhá Galdina…”

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